Defronte ao velho-novo espelho,
espreito com o canto dos olhos,
já temeroso, as mãos brancas
e virginais produzindo o trovão:
a mágica feita sem truques
parece ainda mais impressionante.
Sinto também um cheiro já conhecido,
de tabaco tostado, de ossos saídos
fresquinhos do forno do túmulo:
a esse, já sabia o lugar.
Mas o temor e a excitação decidem
também fazer sombra, tapando a luz
que me permitia ficar na ponta dos pés
e olhar o espelho.
Já não: pequeno, reluzo feliz
agora a imagem do pó,
acumulado no chão
que insistia em fingir ser nuvem.
Abriu-se, como um ataque cardíaco,
janelas em que entram o ar fresco,
fabricado nas entranhas de um sonho difuso,
cheio de móbiles e de um silencioso ensurdecedor:
quando soa, soa o som de figuras que nunca
deram-se as mãos, mas sob sua batuta,
harmonizam-se numa estranha sinfonia.
São convidadas as palavras
que nunca foram vizinhas,
mas a ditadura do sangue puro,
da mente de três luas,
dos olhos que percorrem por dentro,
colocam todos os verbos
na ordem inconveniente.
O júbilo do morto converteu-se,
acompanhando a tal melodia,
em novos passos, apanhados de uma árvore
que presumia-se seca, esquecida no quintal de uma casa,
perdida em alguma rua, que nunca deu em lugar nenhum,
e teve sempre um espelho como beco sem saída.
Quebrou-se o espelho e ofertou-se os olhos
à soberania do acaso:
alguém rasgou o livro dos vocábulos.
Crianças,
uniram-se para recriar o verbo.
Sem espelho,
não havia porque mentir.